segunda-feira, julho 19, 2010

Preto e Branco

Ela olhava pela janela e não via nada. A dor já havia há muito turvado seus olhos, o que via sempre era como uma cortina preta. Se sentia carcomida por dentro, como se vermes invisíveis tivessem atacado de soslaio e antes que ela percebesse já haviam-na destruída. O que restava era um monte de órgãos, envolvidos por ossos e peles. Era assim que se sentia, cada movimento pesava toneladas, cada pensamento lhe custava esforços inimagináveis. Deixou de lutar há muito contra aquilo. Há muito se entregara aos vermes, há muito deixaram que eles a conduzissem e agora passava seus dias e noites na janela, diante do lençol preto da vida. De repente pensou: há quantos andares estou? Só pensou, pois não tinha forças nem para levantar as pernas e atravessar o umbral que a separava de uma provável liberdade. Uma liberdade de não existir mais. Mas já não existia também. Pensou nas pessoas que a rodeavam, tinham se tornado bonecos mecânicos, marionetes do mundo, não consguia vê-las. Ela sabia que já as amara, mas não conseguia sentir mais nada. Nada. Poderia dar aula a qualquer filósofo sobre o nada. Ela era o nada. A janela dava o sentido de sua existência. Ela vivia para a janela. A janela era seu muro onde continha sua loucura. Um muro com grades e grilhões que lanhavam sua carne. Penetravam que nem agulhas. Nem sentia nada. O sangue começava a brotar gelado escorrendo em sua pele, e se deu conta que seu sangue era preto. Não deveria ser vermelho? O que pode ainda ser vermelho nessa vida cheia de naúsea? A chuva então começa a cair, ela vem toda tarde como uma velha amiga que visita o túmulo da amiga morta. A amiga chuva a saudava. Fazia por ela o que há muito ela não conseguia mais: chorava.

- também foi escrito há muitos anos. Uma breve tentativa de descrever a depressão severa.

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