quarta-feira, dezembro 20, 2006


Querido Amigo,


Agora estou pensando no que lhe escrever. Há duas horas atrás estava eu em uma festa. Festa com música, boas companhias, comida boa e farta. Pessoas interessantes. Pessoas nem tão interessantes, se bem que estou pensando sob que ótica é o "interessante" e percebo que é impublicável. Então, até duas horas atrás estava em uma festa e agora lembro de Clarice quando escreve que a busca do prazer nessas situações de festa são ilusórias. Confesso que depois, quando a minha preguiça pós-festa passar, eu vejo melhor o texto pois acho que estou deturpando a Clarice e não quero que ela se revire no túmulo. Se bem que Clarice faz mais o estilo de quem riria com um sarcasmo bem autêntico a uma interpretação errônea de seus escritos. É, não podemos deixar de lembra que, escritos são para o mundo. E o mundo faz o que quiser do que é de posse dele.
Então, estou dando voltas só pra dizer que há duas horas estava em uma festa e agora estou no meu quarto, meu (hoje) doce quarto com uma insônia que me faz morrer de sono mas que não me deixa dormir. Foi então que resolvi te escrever. Não que você me dê sono... mas...pensando bem... a perspectiva de te escrever, ou melhor, te escrever foi o único recurso que percebi que poderia me fazer dormir e bem.
Já enchi uma página de carta e ainda não disse a que vim, talvez esteja enrolando, mas também pode ser que eu não tenha nada a dizer. Me sinto quase sempre orbigada não só a dizer como também, a dizer as coisas "certas nos momentos certos". Quero me desobrigar dessa função. Pesa. Quanta prepotência me pré-ocupar com isso. Agora mesmo quero te escrever assuntos interessantes, coisas importantes e não estou escrevendo nada...ops...estou sim: escrevendo palavras. E palavras que se unem perdem o seu significado unitário para dar um sentido à união. Como deve ser difícil para algumas palavras que, soltas, livres, possuem significados marcantes, indivizíveis, imponentes, inconstestáveis, e que, ao se unir à uma frase, seu sentido é questionado, perde a força, mesmo cumprindo sua utilidade maios, se perdem nas águas da união para formar frases que muitas vezes não são do seu tamanho único.
Como seria nossa comunicação se só existissem palavras soltas? Se as palavras se recusassem a se unir em prol das frases? Sem verbos de ligação, sem união espacial e temporal...coisas como do tipo: de que cada um só poderia dizer uma palavra a cada três minutos, para que, temporalmente, elas não pudessem formar frases.
Quanto silêncio haveria em cada conversar. E ao mesmo tempo quanto sentido cada palavra. E agora esou no silêncio. Como será que eu me comportaria diante de você se eu tivesse que ficar a cada uma palavra, três minutos de silêncio? Será que te olharia mais e por inteiro? Será que baixaria os olhos de vergonha e disfarçaria olhando o relógio para marcar o tempo? Será que eu pensaria na próxima palavra? Ou será que a cada dez segundos mudaria a próxima palavra? Será que o tempo em silêncio me faria mudar de idéia? Beckett dizia já: o que eu falaria se eu tivesse voz? Eu pergunto: o que eu falaria se eu só tivesse uma palavra a dizer após o silêncio?
O que é o silêncio? Ele existe?
Está dando certo. Ao mesmo tempo que estou com vontade de mudar o rumo desta missiva. estou com um sono de fechar os olhos. Às vezes funciona igual a contagem de dores de parto: uma contração à cada dez minutos. No meu caso, estou fechando os olhos a cada dois minutos. Ainda não dá para parar de te escrevre. Ainda lerás o que está na minha mente e que coloca holofote no meu sono e palavras e que ainda não me deixam dormir. Preciso fechar os olhos a cada segundo e ainda mais, como numa contração demorada, fechá-los e premanecer com eles fechados por mais tempo que eu levaria para fechá-los novamente.
Será que é um parto? O que vai nascre quando eu fechar os olhos?
Engraçado, terceira folha de carta. Dei agora para contar quantas folhas escrevo, uma espécie de vaidade...esquisita...eu sei. Mas algo soa grandioso: ah!!! Hoje escrevi umas cinco páginas para um amigo. Parece-me de uma importância... Vaidade, pura vaidade, que não vai me servir de nada para dormir, só para me criticar. A não ser que eu começasse a tomar calmantes para garantir oito horas de sono diárias para restaurar a beleza da minha cútis, como manda os figurinos de "beleza". Mas isso ainda (será que algum dia?) não é do meu departamento de desejos.
Deitei a cabeça agora, acho que vou me despedindo. Despedidas de carta são legais......
Ih!!! Fechei os olhos por um bom tempo. É melhor me despedir. Parafraseando Clarice: bom dia meus amigos, o sonho vai nascer!!!
Meu amigo, até a próxima: "insônia ou carta".
Luciana


Ameaçaram pisar nela.
Ela se apavorou. Seu corpo tremia todo inundado de um medo e um sentimento de que ninguém a livraria desse mal. Pensou em arrancar suas partes. Mas logo tirou da cabeça essa idéia: chega de deixar suas partes pelo caminho. Queria-se inteira. Mas não queria ser machucada, já o fôra muito. Não pisaram só no pé dela. Pisaram na perna para que ela não se sustentasse. Pisaram na virilha para que ela não mais se entregasse. Pisaram na barriga para que ela não mais gerasse. Pisaram nos seus braços para que eles não mais envolvessem. Pisaram no pescoço para dividir seu corpo de sua mente. Pisaram na boca para que não mais desejasse. Pisaram no nariz para confundir os odores. Pisaram nos olhos para não mais espelhar a si mesma no outro. Pisaram em sua mente para atordoá-la. E por fim, não satisfeitos pisaram em seu coração para que ela tivesse medo, muito medo de continuar amando. Com o tempo, muito lentamente ela está desamassando suas marcas, lambendo suas feridas, regando com lágrimas suas dores. Às vezes se engana e sai por aí: estou curada! Para cair na esquina como fruta madura e ser lembrada de que ainda não. Então quando ameaçada URRA! Urra de medo e de dor. Tudo de novo? Urra! Urra para afastar o pesadelo que assola a sua alma e faz o dia escurecer como um pântano negro. Urra pedindo socorro! Urra para assustar, para afastar, para urrar!
E então, com os urros vem a culpa.A culpa por inteiro. E então o seu próprio algoz entra em cena e repisa uma por uma de suas partes. Afunda-as, chafurda-as no urro de lamentações.
E então volta a deformação. Tudo errado, tudo fora do lugar, tudo inútil.
Ameaçaram-na.
E foi uma brincadeira.
Mas ela não sentiu como se fosse. Repisaram em seu corpo disfarçando através de sorrisos e depois do silêncio da culpa e da ignorância.
Ameaçaram-na. Ela reagiu. Defendeu-se do seu próprio medo. Acusaram-na. Acharam demais o que ela fazia. Ela urrou! Depois se calou e se fechou em culpa sobre si mesma. E agora chora, só chora. (13/09/2006 às 00:30)

domingo, dezembro 17, 2006

Uma menina que sonhava muito. Sonhava quando dormia, sonhava quando acordada, sonhava quando falava, sonhava em silêncio, sonhava só e acompanhada. Sonhava com imagens, sonhava com palavras. Sonhava.
Sonhava coisas boas como um vestido branco a balançar em um campo de girassóis e seus cabelos emoldurados em um chapéu com um laço branco que caia até a sua cintura e teimava em querer voar com o vento. Sonhava coisas ruins que lhe davam medo e a faziam sentir-se em uma noite escura e fria em frente a uma casa de madeira morta que rangia com o vento como se quisesse sussurrar em seus ouvidos palavras do mal e de medo.
Sonhava acordada quando, ao acordar, o mundo lhe parecia hostil, de uma hostilidade que lhe cortava em duas. Uma que tinha que estar lá e a outra que se ausentava de si mesma a sonhar. Acordada sonhando também quando seus olhos registravam seus desejos. Desejos ditos e não ditos. Desejos, amante de sua vontade. Sonhava para realizar seus desejos, e, no entanto, para não matá-los sonhava. Desejos realizados não são mais desejos.
Sonhava quando falava. Sonhava com as palavras. Palavras que eram músicas em seus ouvidos, intrigantes caminhos de sonhos. Palavras que feriam e a faziam sonhar. Palavras soltas, cheias de significados e palavras unidas para eternizá-la. Falava e quanto mais falava sonhava. Falava também, e quanto mais falava, mais se aterrorizava pois se afastava de seus sonhos e já não os retia na memória onírica de seus desejos. Falava, e palavras faladas, trazem a realidade. E então, falava, falava mentiras para preservar o sonho.
Sonhava em silêncio. Um silêncio como o barulho da madrugada sonolenta do campo quando todos parecem dormir, sonhando, e o mundo recai sobre si mesmo com o peso de seu mutismo. Sonhava em silêncio pois só encontrava em si mesma a testemunha para seus sonhos, não que não quisesse partilhá-los, mas era uma maneira de retê-los. O silêncio trás consigo possibilidades infinitas para sonhar.
Sonhava sozinha, como um ser que se vê perante o mundo sem que reconheça a si próprio no outro e o outro em si. Sozinha quando se abandonava tentando viver o sonho de outra e então não era mais ela.
Sonhava ao se abandonar. Sonhava ao se entregar a solidão que basta por estar inteira consigo mesma. E, então, sonhava acompanhada. De vez em quando partilhava fragmentos de seus sonhos com outros sonhadores que zombavam de sua inquietude infantil de sonhar. Sonhar para quê? Ela queria sonhar e, de vez em quando, encontrava sonhadores e dividiam sonhos. Às vezes se sentia diminuída pelo tamanho do sonho do outro. Às vezes se sentia grande pois seu sonho era um gigante e espelhava nos olhos do outro o momento exato da consciência de sua pequenez. Era uma satisfação quase sádica, porém inútil, fútil. Não era o tamanho do sonho que importava e sim, sonhar.
Sonhava com imagens. Imagens que falavam com ela. Que clamavam sua presença, seu olhar carregado de deslumbramento pela emoção. Imagens que se significavam por si mesmas e passavam pelos olhos dela como damas no final da tarde vestidas com seus trajes de passeio e nariz empinado. Imagens pomposas e orgulhosas de si mesmas. Que tinham vida própria e a convidavam para sonhar ainda mais. Ela então sonhava, e sonhava mais ainda quando estas imagens uniam-se as palavras. Então seus sonhos ganhavam corpo. Vida. Ar. Respiravam por dentro, por fora, em volta dela como um vento que chega com o firme propósito de trazer movimento e levantar sua saia. E ela sonhava....
Lu C. B. (sem-vergonha em 11.09.2006)