terça-feira, agosto 31, 2010

A vida não é uma maravilha prozaquiana


Certa vez um amigo disse que acreditava que nos países mais pobres tinha uma espécie de histeria coletiva que nada mais era, para ele, as festas que ocorrem pelas cidades: sabe naqueles dias de domingo as pessoas em bares e em portas de casa dançando? Ah! Ainda disse mais, que as pessoas mais pobres eram as mais felizes pois elas não entravam em contato com a realidade, a pseudofelicidade aumentava proporcionalmente com as dificuldades e o sofrimento que ele imaginava que elas sentem. Ele fez uma espécie de diagnóstico social relacionado a situação sócio-econômica das pessoas. Lembro que mentalmente eu neguei aquela informação, refutei, achei um absurdo e um quê preconceituoso...ou simplesmente não entendi o que ele quis me dizer.

Aquilo nunca saiu da minha cabeça, e manchou a autenticidade da alegria das pessoas, principalmente aquelas que eu vejo nas periferias dançando no final de um domingo. Falo sempre no domingo porque sempre pensei que essas pessoas aproveitavam até o finalzinho de seus finais de semana, já que domingo pra mim, principalmente a noite, precisa de um desfribilador de agonizante que é.

Mas ao mesmo tempo sempre que penso nisso vem a raiva. Ou melhor, nem sei se é raiva ou é indignação. Fico realmente indignada e preocupada ao perceber o rumo que as pessoas estão tomando hoje ao analisar o mundo ou elas mesmas. Tudo está sendo diagnosticado. Tudo está sendo explicado e minuciosamente devassado. E ao entrar na teorização das experiências, o indivíduo perde de vivê-las e somente vivê-las e ponto.

Então a alegria deles é sinônimo de fuga de uma realidade massacrante? Ué! E não pode ser uma alegria genuína num domingo a tardinha em que não se entra em contato com o dia a dia mesmo, o dia de folga? Não pode na segunda, este mesmo ser dançante e rodopiante, voltar a sua rotina e dar conta de sua vida inclusive entrando em contato com ela? Tá. Tudo bem. E se a rotina for muito ruim, se a vida da pessoa for quase insustentável, que mal que faz se ela consegue uma boa forma de se defender de sua realidade? Faz. Faz mal. Faz bem também. Eu que não vou julgar. Faz mal pois a pessoa ao não entrar em contato com a sua realidade não terá a oportunidade de mudá-la já que ela não irá existir. Faz bem, pois se a pessoa não consegue ver a luz no fim desse túnel então ela torna a vida dela um pouco mais fácil.

Uma outra coisa que me chama a atenção, outro dia um outro amigo que tinha passado por uma situação de perda significativa me disse que estava preocupado e que achava que estava deprimindo pois estava muito triste... e só tinha uns 15 dias que o fato tinha ocorrido. Calma... disse à ele... quanto tempo faz? 15 dias... eu respondi: - e você está estranhando sua tristeza ao ponto de já diagnosticar como depressão? Seja paciente, você está triste, é muito natural ficar mal numa situação dessas. Acolha a sua tristeza...e etc.. Enfim, eu percebo que as pessoas já não conseguem conviver com alguns sentimentos que são da vida.

A vida não é uma maravilha prozaquiana. Ela é linda, gostosa, mas em alguns momentos também é feia, insípida ou amarga. Viver pode ser contra indicado pra quem tem medo de sofrer. E com isso as pessoas fazem de tudo, até mesmo se "patologizarem" para escapar do sofrimento. Não se iludam, só tem medo de sofrer quem já sofreu ou quem está sofrendo, pois quem nunca sofreu (será que existe?) não irá saber o que é. E a gente não tem medo do que não existe.

Viver vai trazer alegria e também tristeza, vai trazer dor e também alívio, vai trazer aventura e também tédio, vai trazer dúvidas e também sensações de certezas, vai trazer paz e também vai trazer muita inquietação, vai trazer crescimento e também vai trazer estagnação, vai trazer amor e também vai trazer indiferença, vai trazer tranquilidade e também vai trazer angústia, vai trazer perdas e também encontros....

Existe um movimento cultural muito grande de tentativa de não entrar em contato com o que nos faz sofrer, de não permissão e acolhimento ao próprio sofrimento e do outro, e com isso aumenta o consumo de medicações como antidepressivos e ansiolíticos, aumenta a solidão, aumenta a anestesia coletiva perante o lado sombra do mundo e aumenta em muito o próprio abandono.

Calma... não precisa correr, fugir, se diagnosticar, tem momentos em que nós vamos sofrer... e tem momentos em que vamos ser felizes... isso não é sinônimo de depressão e nem de mania (transtorno bipolar)...serão simplesmente momentos da e na vida.




segunda-feira, agosto 23, 2010

Baú Velho


Estava eu agora lendo o blog do Marcus, http://papo-solto.blogspot.com/ um post chamado Arte da vida e Arte da Guerra I... em que ele discorre sobre a seletividade da nossa memória... é fato.

Agora enquanto eu ia lendo, uma imagem mental veio a minha mente... um baú...imagino o meu baú daqueles antigos, com madeira escura e forte, grossa e com tiras de couro e um fecho de ferro...imagino desgastado e gosto dele assim, não penso em pintar ou renová-lo, ele realmente é antigo e vai permanecer assim. Agora imagino também que ele seja grande, quase sem fundo e que lá dentro minhas memórias brinquem de roda, "pira se esconde", se extasiem de felicidade, se dobrem na dor, que elas briguem pra virem à tona ou pra se manterem escondidas.

Algum escritor ou escritora já disse que as memórias eram como trapos velhos, e como um trocadilho eu não lembro exatamente agora como e quem foi. Mas essa imagem sempre esteve na minha mente, trapos velhos...

Imagino meu baú cheio de trapos velhos, cada um de uma cor, com uma textura e tamanhos diferentes, mas também tenho peças de tecidos inteiros dobradas, outras que ficam esvoaçando no ar, de várias cores fortes e neutras, tenho trapos que se escondem de vergonha e outros que se exibem tentando emergir...
Além de trapos velhos vivem no meu baú cada boneca que eu tive na infância, um pintinho que sem querer matei com as mãos, os vestidos das festas juninas, a pedra que quebrou a cabeça da Patricia numa travessura com a vizinha, os penteados que a Gagá fazia no meu cabelo e o sabonete que ela usava quando ela mandava eu dar a "perna de bailarina" para ensaboar no banho, os "retratos" todos que tirei e alguns mais coloridos em que colocava a mão na cintura fazendo charminho, o elástico que me fez quebrar a perna...

Meu báu atual me soa como infinito, infinito no que contém, infinito nas trocas que as coisas de dentro fazem, infinito nas confusões e nos esclarecimentos. A sensação que eu tenho é que eles estão mais se divertindo lá dentro do que outra coisa qualquer... Parece que minha memória se encontra numa grande festa, onde crianças brincam até ficarem bem suadas, param... tomam uma água...e voltam a correr e gritar novamente...

terça-feira, agosto 17, 2010

Retorno


Viagens são como paradas no tempo. Sempre me intriga estar agora aqui e, de repente, pego um bicho que tem asa e depois de mais ou menos duas horas estou em outro lugar, inacessível ao lugar de onde parti. O espaço e o tempo param no lugar de origem.
Nada ficou mais evidente do que isso hoje. Depois de uns 9 dias fora, entrei no meu carro, ainda estacionado no mesmo lugar, com tudo dentro do mesmo jeito que eu deixei, e, ao ligar o som, a música continuou exatamente do ponto que parou há 9 dias atrás. Ela começou da metade, e hoje, sabe-se lá de que ponto, retomo o ritmo.

terça-feira, agosto 03, 2010

Doll Face: narciso ou a cópia?




Estava eu me divertindo com o twitter quando me deparo com a seguinte pergunta da Márcia Tiburi: "Doll Face de Andy Huang (http://bit.ly/1jct) Nova versão do mito de Narciso?" , indicando o vídeo acima como o norteador da pergunta dela. Me coçou, gosto muito do mito do narciso, fala de paixão. A paixão nos ilude, afinal "Narciso morre na ilusão de ter encontrado a completude" (http://www.palavraescuta.com.br/textos/o-mito-de-narciso). Paixão não completa, paixão cria urgência e sempre mais urgência...


Mas ao olhar o vídeo, eu não vi nada de narciso, até tentei, mas não vi. Quer dizer, posso até tentar ver algo que possa lembrar no final, imaginando Narciso se afogando no lago, mas... foi forçado.


Acho interessante a idéia dela, mas vejo o contrário, Narciso se apaixona pela própria imagem, pela imagem que já existe e que ele ainda não tinha visto e quiçá nem soubesse ser dele. Ela, a boneca, não se vê refletida na televisão, ela vê uma imagem de uma mulher, que parece que achou interessante, e então, tenta ficar igual. Mal conseguiu ficar igual a primeira imagem, aparece uma outra imagem que requer ainda mais trabalho, mas mesmo assim, com afinco, e até trocando de olho, e ao mesmo tempo até criando um novo e copiado olhar, ela consegue ficar igual o que vê. Narciso não precisou mudar, Narciso se viu e estava pronto...ali...perfeito... e se enamorou, se apaixonou perdidamente pela própria imagem.


Essa boneca não se apaixonou, o olhar dela era mais obsessivo do que apaixonado (se bem que a diferença é tênue), ela tentou (obsessivamente) ficar igual, ela teve que se moldar, mudar sua aparência para chegar no que considerou o ideal e na busca desse ideal que foi ficando cada vez mais distante, ela se destruiu. O mais significativo foi ver, ao final, a maquiagem borrada dando a impressão de uma lágrima.


Não me remeteu ao narciso, me remeteu sim aos sacrifícios e a perda de identidade ao tentar copiar um padrão que talvez se torne inatingível e destrutivo. Prefiro pensar como Perls: "Nenhuma águia quer ser elefante e nenhum elefante quer ser águia. Eles se "aceitam", aceitam seu "ser". Não, eles nem mesmo se aceitam, pois isto significaria uma possível rejeição. Eles se assumem por princípio. Não, não se assumem por princípio, pois isto implicaria numa possibilidade de ser diferente. Eles apenas são. Eles são o que são."


O céu e o inferno do ser humano foi ter desenvolvido a consciência de si mesmo e a consciência do outro como um possível espelho crítico de sua imagem. Nós não temos lago que reflete a nua e crua verdade do que somos, nós temos o olhar do outro, que nos diz, as vezes amorosamente, as vezes cruelmente quem a gente é. E se perdidos estamos de nós, vamos atrás desses olhares que não cessam, até a destruição. Isso é tão louco, precisa ser medido, pois também nos constituímos humanos sob(ao) olhar de outro humano, como diria uma professora minha: uma mulher se constitui mulher sob(ao) olhar de um homem. E vice-versa e sob todos as variações possíveis.


Porém, quando nos falta o nosso próprio olhar, acabamos por colocar, tal qual a boneca, os olhos dos outros nos nossos e passamos a nos olhar tal qual. Acho que o segredo está em desenvolvermos o nosso próprio olhar e só então, deixar o olhar do outro nos dizer algo. Não sei. Eu acho.

domingo, agosto 01, 2010

Pra Voce Guardei O Amor - Nando Reis e Ana Canas




Quando eu me apaixonar de novo...vou cantar o amor que eu guardei pra ele... Será?