segunda-feira, março 26, 2007


to com sono. com fome. com muito sono. o tempo não é normal. a utilização do tempo é antinatural. não é humana. uma sensação de urgência pairando no ar. significado de competência, de importância. não ter tempo é importante. ter tempo para fazer palavras cruzadas dá a sensação de que não se faz nada. temos que estar o tempo todo ocupados? De quê? Pra quê?


resolvi subverter a ordem. não colocarei mais letras maiúsculas. estou cansada de apertar o shift. estou cansada de ser certinha. de brigar por isso. quero ser errada. quero não ter pontos e nem vírgulas.

quarta-feira, março 21, 2007

AQUI JAZ...

De repente ela estava em um espiral, movimentando-se em ordem descendente, vendo o futuro ficar mais distante e intangível. O presente não existia, e o passado não era visitado ou revisitado nas fugas das horas. Ela inexistia. Estava em um espiral, entrando em círculos em um lugar obscuro. Um lugar-comum na vida-comum, mas que somente pra ela tinha significado: depressão.
Levantava-se todos os dias no mesmo horário para cumprir sua (in)existência. Como uma autômata ia ao banheiro e olhava-se no espelho se procurando. Não se encontrava. Sabia que não estava ali e sim no seu espiral, dentro e dando voltas no lugar.
O mundo passava por ela e ela não passava por ele. Estava ali, parada. Só tinha consciência de que algo não ia bem na altura do estômago e no meio dos seios. Uma força, uma opressão, uma agulhada, um sufocamento e então vinha o nada. Nada. Nada. Nada.
Não era ela, era outra. Uma outra que não era, que estava sendo. Morta em vida. Todos os dias se visitava no túmulo. Não conseguia ler sua lápide. Tentava, esfregava, soprava, mas não conseguia ler além do “Aqui jaz”...

terça-feira, março 13, 2007

O DIABO VESTE PRADA
Não sei quem está sendo mais ofendido, se o diabo ou a marca Prada ao serem comparados com Miranda Priestly, a suposta editora de uma suposta revista de moda, de uma não, da maior revista de moda do mundo. O livro é gracioso, dá pra se divertir com o humor sarcástico da personagem principal a coitada-louca-subserviente-aspirante-a-escritora Andréa Sachs. Miranda consegue ser muito pior do que a própria mitologia religiosa fala do Diabo e seu inferno, não sei se preferiria lidar com ela do que lidar com ele .

Em alguns momentos, mesmo tendo uma consciência de seus movimentos psíquicos e de sua pretensão para a carreira, cheguei a ficar com raiva de Andréa pela sua subserviência em troca de uma suposta promoção que, como a única alternativa de alcançá-la, era servir de babá de luxo de uma pessoa que não tinha competência para pegar um copo d´água para matar a sua sede.
Uma pessoa cega e deslumbrada com a vaidade e a ganância do mundo, cercada de pessoas subservientes que realmente acreditam que existem pessoas que são mais importantes que outras pessoas, pessoas que merecem reverência por onde passam e pasmem, não por serem sedutoras ou agradáveis e sim, por estabelecerem relações passivo-agressivas como qualquer agressor moral.

Miranda é um exemplo de uma pessoa que através de uma atitude passivo-agressiva minava a capacidade de existir de qualquer ser humano que convivesse com ela por onde ela passasse. E as pessoas não percebiam ou precisavam tanto do suposto glamour que envolvia, que se permitiam a isso ou se viam enredadas nesse sistema de relações.

O livro é um retrato da experiência que a autora teve em seu primeiro emprego para a editora da revista Vogue. Fiquei pasma, será que realmente ela passou por tudo isso? O que faz uma pessoa se submeter a tanta humilhação? O que a faz se tornar um ser que não existia mais diante de uma pessoa que não existia para ela também, mas que a sua mera existência era pautada em humilhação, dor (e dor física tb) e nulidade?

Assédio Moral, um conceito que está muito em voga nos dias de hoje, visto e revisto na psicologia, novo ainda em tribunais porém muito antigo na história da humanidade. Segundo Hirigoyen, 2000, “POR ASSÉDIO EM UM LOCAL DE TRABALHO TEMOS QUE entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradas o ambiente de trabalho". Quem nunca teve contato com uma pessoa que sorrindo e com o que parece as melhores das intenções consegue deixar a outra pensando que é o côco-da-pulga-do-cachorro-que-foi-esmagado-pelo-cavalo-do-bandido? E, apesar de atualmente está muito voltado para as relações de trabalho o assédio moral pode se dar em qualquer relação e não somente na profissional. Pode se dar entre pais e filhos, casais, amigos e qualquer tipo de relação. No assédio moral existem dois lados: o agressor e a vítima. Não pensemos que a vítima é uma pessoa fraca e influenciável. A vítima se torna vítima muitas vezes por seu perfeccionismo. Geralmente são pessoas comprometidas com suas vidas, com seus trabalhos e que perfeccionistas. É o traço mais marcante da vítima. Porém podemos pensar que, se alguém quer ser tão perfeito é porque em algum nível entrou em contato com a possibilidade de alguma imperfeição e precisa do simbolismo da perfeição, mesmo que seja em uma mera tarefa para aplacar a percepção do imperfeito, mas isso já é uma outra estória.

Já o agressor carece de auto-estima, são geralmente pessoas que precisam submeter outras pessoas ao seu poder e ao seu julgo para poderem se sentir poderosas. E esse alimento não pode parar, pois sem o outro subjugado ela não teria condições de se sentir superior e poderosa. Isto sem citar que essas pessoas não são dotadas da capacidade de empatia, que é o colocar-se no lugar do outro, são perversas, apresentam traços de sadismo, manipuladores, possuem uma fria racionalidade dentre outros traços de comportamento.
O Diabo veste Prada, certamente não ganhará nenhum prêmio de literatura, mas é um aprendizado. Um aprendizado de como um mundo que eu nem imaginava que existisse, existe. E o pior, é valorizado por muitas outras pessoas que não fazem parte dele, como a garota que escreveu a carta pedindo o vestido. Tudo está no imaginário das pessoas e imaginando, as pessoas constroem castelos na vida dos outros onde só existem cabanas de lixo e podridão escondido atrás de fachadas de glamour.

O livro ensina os toques sutis do comportamento atrás do assédio moral e como pessoas consideradas boas como Andréa se submetem à ele e em algum nível correm o risco de se tornarem num momento futuro também agressores em potencial.

Recomendo para todos que queiram refletir as quantas anda a sua maneira de exercer o poder e de se submeter ao poder, já que nossa sociedade ainda é constituída por esse modelo social: dominador/dominado. E recomendo principalmente como exemplo para psicólogos, advogados e outros profissionais que exercem algum tipo de função que lhes dão (um suposto) poder.
Vale a pena.
Luciana Castelo Branco
Em, 11.03.2007