sexta-feira, maio 28, 2010

Amores à uma mãe (im)perfeita - Parte I

Minha mãe não era perfeita... e que bom que ela não era assim...mas até eu chegar a esse pensamento eu penei um bocado tentando mudá-la de acordo com o que eu achava que deveria ser a minha mãe perfeita.

Convivemos por muitos anos sob o mesmo teto, 36 anos (mais precisamente), há um ano e meio eu resolvi ter meu próprio teto e ela, mesmo sentindo minha ausência, me apoiou de diversas formas, uma delas inclusive foi se mudando para um apartamento ainda menor e que, caso minha aventura não desse certo, tava na cara que eu não tinha como voltar pra casa dela a não ser que ficássemos nos batendo o tempo todo naquele minúsculo espaço. Mas isso não foi dito, isso foi sentido por mim, ela não disse nada, nem sei se pensou nisso, na realidade, impulsiva do jeito que era, se apaixonou por aquele apartamento (que eu nunca gostei e que eu não cabia) e teimou. Teimou. Teimou. E se mudou pra lá. Ela era teimosa.... Muito teimosa... E espivitada também.

Então, quando eu era mais nova fui começando a ver e entrever seus vários defeitos que me faziam ressentir da imagem e desejo de ter uma mãe perfeita. Eu ia convivendo com mães de amigas minhas e ao longo da adolescência fui extraindo o que elas me mostravam de melhor e quando me deparava com a minha mãe, exigia que ela tivesse todas essas qualidades como se eu desejasse que, mesmo sendo única, ela fosse múltipla, sábia, centrada, uma super mulher, enfim, buscava nela a segurança que ainda não tinha, o guia para minhas escolhas que ainda não me sabia responsável, com um movimento típico de culpá-la por tudo que não funcionava... Exigi dela por muito tempo que ela fosse quem ela não era.

Ela escutava, as vezes brigava, ficava de mal... se defendia, as vezes não. Eu era a cobradora... demorou um tempo, mas finalmente eu cresci e pude ver que eu não podia querer que ela vivesse por mim, que ela se responsabilizasse por mim, e pude enfim, enxergar a sua humanidade e seus defeitos. E então tive que viver o primeiro luto que era abandonar as minhas expectativas sobre a sua perfeição e ficar com tudo aquilo que ela me dava que era genuinamente dela. Tanto as coisas boas como as coisas ruins.

Mas tem uma coisa que eu agradeço publicamente por ela ter me dado: ela ter se permitido se mostrar com suas imperfeições... isso mesmo, o que eu mais combatia foi a maior herança que ela me deixou. Ela me possibilitou ver a humanidade nela, em mim e em todos os outros que eu me relaciono. Já pensou se ela fosse perfeita? Imagina o quanto eu teria a ilusão de que eu teria que ser perfeita também? Já pensou o quanto eu cobraria a perfeição dos outros? Ufa! Ainda bem ela me livrou disso... Ainda bem.... mesmo com sofrimento consegui respeitá-la em suas imperfeições, perfeitas para o meu crescimento.

E, olhando pra ela, com suas dores, suas lutas, seu sorriso, pude achar em mim a mulher que me tornei como fruto dela e de meu pai. O que eu trouxe de cada um, o que eu não quero de cada um deles...

O último email dela pra mim foi uma declaração de amor de mãe e uma despedida deste mundo. Era meu aniversário, ela morreria 3 dias depois...