sábado, julho 31, 2010

O Clima de Hoje!

Autor desconhecido

quinta-feira, julho 29, 2010

Lar...

Acabei de chegar de um reencontro com um amigo meu que estava na estrada desde junho. Veio passar dois dias em Belém, e já vai pegar estrada de novo mas dessa vez por pouco tempo, semana que vem está aí. Mas não é bem isso o que eu vou falar. Ou melhor, talvez sim...ainda não sei muito bem...
Enfim, nesse mais de um mês que ele passou se atualizando no Rio, ele arranjou um tempinho para fazer um retiro espiritual com um grupo, numa comunidade ribeirinha, super afastada da capital. E quanto mais distante da capital, mais simples e natural a vida é. Pelo menos, eu acho...
De qualquer forma assim foi a experiência dele, ele começou a me descrever como era a comunidade há mais de cinco anos atrás e como está agora com o advento da energia elétrica e da famigerada e adorada televisão. Mas enfim, também não é bem disso o que vou falar. Talvez até seja, mas ainda estou vendo no que vai dar...
Enfim (de novo), ele me contou a forma de organização deles, da convivência na comunidade... como era bonito ver a transmissão de conhecimentos de pai para filhos e de mãe para filhas. Cada um transmitia à seus descendentes a sabedoria que rege o trabalho, que por sua vez, rege a vida em comunidade. Com descrições assim:
- são divididos como se fossem numa hierarquia de trabalho: alguns saem para pescar, outros, quando chegam os peixes, salgam para durar dias, outros fazem as redes de pesca, outros ordenham vacas para conseguir leite. Alguns cozinham o peixe, outros, se precisarem, pescam camarões e vão vender para comprar leite... "se na tua casa tiver leite e na da vizinha tiver café, vocês fazem um café com leite e tomam"...todos dizem que são parentes, basta você ser próximo vira parente, o equivalente, aqui em Belém a chamarmos de tia e tio os pais de nossos amigos... a ajuda é mútua, a comunidade funciona sobre e sob suas próprias leis morais...a noite, quando não tinham nada pra fazer, um visitava a casa do outro, ou ficavam em rodas pela comunidade com as crianças correndo, e todas as crianças eram cuidadas por todos os adultos...
Depois, como todo assunto, mudou. Começamos a falar sobre o desejo dele de morar sozinho e de uma dúvida que ele tem se ele vai conseguir sentir a casa que ele vai morar como um lar. E começou a dar um exemplo de uma tia que saiu da casa do pai, durante 11 anos morou em alguns lugares sozinha, mas quando pisou na casa do pai novamente sentiu "- aqui é meu lar". Apreensivo ele toma o exemplo da tia como uma possibilidade do que possa acontecer com ele. Dele não encontrar um lar fora da casa que sempre viveu com os pais...
Eu entendi a apreensão, é muito difícil a vida, ou sei lá quem ou o quê, definir um lar pra gente e assim seremos marcados o resto da vida por ele....o exemplo da tia dele me deixou também apreensiva, mas por outro motivo: eu não me senti assim. E comecei a pensar que ou eu sou uma desgarrada nata ou o conceito e o sentimento de lar é diferente para cada um... preferi ficar com a segunda hipótese.
O que aconteceu comigo, por exemplo, se eu for contar desde que nasci até o lugar que eu moro hoje, eu já morei em 11 lugares diferentes, eu brincava com a mamãe dizendo que ela era uma verdadeira cigana urbana, pois de uns anos pra cá, mal a gente tinha se acostumado a uma nova casa, quando víamos, ela já estava com a cuíra de mudança. Eu até comecei a me acostumar e curtir o ritual de passagem de um lar para outro. E não pensem que é fácil, pra mim pelo menos, era sempre muito difícil... Afinal, não é só você que transforma o lugar onde mora em lar e sim o lugar também te escolhe e te transforma como senhorio. Pelo menos, eu acho. Não acho só não, eu também senti e sinto isso...
Sempre que nos mudávamos eu passava por uma espécie de ritual de passagem. Me sentia por mais ou menos um mês em suspenso, como se eu não tivesse um lugar só meu, como se eu não tivesse um lar, como se eu não tivesse casa. Essas sensações me causavam muita angústia. Era ruim, até que me acomodova ao lugar e ele à mim.
Na minha última mudança, a mais significativa pois tinha resolvido morar sozinha pela primeira vez, eu senti isso, e senti medo...e muitas outras coisas... mas senti mais ainda a casa também me conhecendo. Me mudei e por um tempo me senti sem lar novamente, foi então que começamos a nos conhecer, eu e a casa, ela o meu ritmo e eu, o ritmo dela, os seus barulhos, por onde e que horário ela se tornava mais ventilada, mais agradável, em que momento ela começava a se aquecer, os barulhos que ela produzia, os barulhos do dia, o barulho do vento tentando entrar pela janela, o barulho do estalar da madeira das portas e móveis, a porta da rua se mexendo quando o vizinho mexe na porta dele, quantas e quantas vezes na primeira noite fui verificar se tinham entrado no apartamento, até que tranquei no meu quarto e deixei a casa resolver a suposta invasão... enfim (terceira vez), conhecer a variação na luz, o barulho da madrugada, da vizinhança, dos cães latindo ao redor, das crianças no colégio gritando "BOM DIA!!!" todos os dias às 7:15 da manhã... Ela também ia se acostumando aos meus horários, aos meus barulhos e ao meu ritmo, ao meu gosto em pendurar vários quadros e coisas na parede, ao pintar uma árvore no seu corredor, ao colocar minha coleção de imãs, meus livros, meus pincéis, meus  quadros, ao deixar a luz da cozinha acesa quando eu sentia medo, colocando cheirinho e ir tomando a casa para mim...
Quando ao final desse conhecer... quando eu já tinha aprendido muito sobre ela e ela sobre mim, eu pude dizer que eu tinha um lar. Eu tenho um lar. Um lar que dizem que é a minha cara...mas sei também que carrego um pouco de cada parede que me cerca... e pensando no que eu ainda vou colocar na parede ao lado da minha porta de entrada, deparo com a seguinte frase: lar é o lugar onde o meu coração está.

Pelo menos pra mim foi assim. Disso eu não acho, eu tenho certeza...
Esta é a árvore que eu pintei no corredor da minha casa.

terça-feira, julho 27, 2010

O Bêbado e a Equilibrista


Tem umas coisas que quando eu lembro eu fico realmente intrigada. Luciana, Andréa e Patricia (eu e minhas irmãs, antes dos irmãos existirem) e do outro lado Renata, Roberta e Rosana. Primas...Todas quase da mesma faixa etária. A Renata, por ser um pouco mais velha e por conta das aulas do terceiro ano, só encontrava conosco nos finais de semana. Assim como a mamãe, que na época, já separada há um tempo, estava estudando para fazer vestibular. Nós todas estávamos em Salinas, cuidadas pela vovó e pela tia Marilda (mãe das meninas). Nesta época ensaiávamos todas as noites o show de música e dança que apresentávamos para todos que vinham passar o final de semana. E impressionante como era muito sério para todas nós, eu me sentia uma verdadeira artista, só faltava o sucesso me descobrir e eu moraria nos palcos. Agora, o que mais me deixa intrigada era que nosso maior sonho, pasmem: era fazer uma viagem de navio... e nos apresentarmos nesse navio...cantando.... solenemente...e apaixonadamente... O Bêbado e o Equilibrista... (música ensaiada por nós exaustivamente em todos os aniversários da família). Muuuuiiitooo estranhooo...

domingo, julho 25, 2010

Reinauguração



Escrever sempre foi algo que eu fazia naturalmente e por necessidade. Até receber minha primeira crítica. Pintar também, eu sempre pintei sem medo, entregue. Até receber minha primeira crítica. Engraçado, eu também sempre tinha dito que a opinião dos outros não me abalava, até perceber o quanto essas críticas me influenciaram por esses anos. Eu nunca mais escrevi com liberdade e nunca mais pintei sem que um olho atrás de mim sempre balançasse a cabeça pesaroso... Me dou conta agora o quanto as críticas que foram tão corriqueiras e simples pesaram sobre mim. O quanto eu me tornei uma crítica feroz de mim mesma, de tudo que eu fazia com liberdade e me encarcerei na prisão do medo de não ser tão boa. E agora leio escritos de outros, vejo quadros e trabalhos de outros e penso em mim. Penso no que eu deixei de escrever, de ver e de pintar para o gozo do crítico que criei e alimentei ferozmente dentro de mim...aaaaahhhhh: DANE-SE!!!


Criei esse blog desde 03 de julho de 2006, fiquei surpresa quando vi que já tem 04 anos e a vergonha imperou solenemente até hoje pois quase nunca o divulguei. Até que comecei a produzir mais e timidamente divulguei para mais cinco pessoas, mas continuei produzindo e ando com muitas idéias, então comecei a perceber que o crítico ferrenho está agonizando e comecei a pensar numa espécie de reinauguração. Procurei uma amiga, Kiara Guedes, e começamos juntas a reconstruir a imagem do blog. Eu, desavergonhadamente, gostei muito do resultado. Inicia, agora, o império da semvergonha que reside dentro de mim.

Aos desavergonhados (novos e velhos) visitantes deste espaço: sejam bem vindos! Pois, "hoje é um bom dia para começar novos desafios." (Carlos Drummond de Andrade)




sexta-feira, julho 23, 2010

Fazendo as malas

Fonte: http://stipje.blogspot.com/
Estou fazendo as malas do formato antigo do blog e reconstruindo o novo. Conto com a ajuda da minha amiga Kiara Guedes dos blogs http://eguanao.blogspot.com/ e http://nesteinstante.com/ que adoro seguir... Alguns textos novos e semvergonhas estão no forno, e em breve, todos serão convidados para a reinauguração... Porque "navegar é preciso", a vida não!

quinta-feira, julho 22, 2010

Para Marcele, minha prima amada!


Tênis x Frescobol
Rubem Alves

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos são de dois tipos: há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa.

Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: ‘Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?\' Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.’ Leia + http://www.rubemalves.com.br/tenisfrescobol.htm

segunda-feira, julho 19, 2010



L´art surgit à mi-chemin de l'homme et de l'univers. L'homme se reconnaît en lui, y retrouve ses pensées et ses sentiments, en même temps qu'il y fait sien ce qui  l'entoure et n'est pas lui. La dualité irréductible de sa double expérience externe et interne se trouve enfin résolue. René Huyghe (1967)

A arte surge a meio caminho do homem e do universo. Nela, ele se reconhece, encontra seus pensamentos e seus sentimentos, ao mesmo tempo que a noção que o rodeia não é dele. A irredutível dualidade de sua dupla experiência (interna e externa) se faz finalmente resolvida. René Huyghe (1967)

Exerce (sempre mal) o poder...quem o tem!

- A hora que teu pai chegar, vou contar isso pra ele e ele vai te bater!!! A babá dizia ao garoto que aparentava uns seis anos de idade...

- Vou te quebrar os dentes!!! O mesmo garoto dizia para o irmão mais novo de uns três anos...

- Teu pai vai te bater pelo que você falou!!!  A babá tornava a repetir a ameaça...

E sempre que a babá falava isso, o irmão menor ficava repetindo a frase para o irmão ameçado que retrucava:

- Eu vou encher tua cara de porrada!!! Eu vou quebrar tua cara!!!

Um chute voou no ar e não acertou seu alvo... o menor ensaiou um chute que acertou no ameaçado...ele então revidou mas não conseguiu atingir totalmente o irmão menor...

A babá do seu alto posto...sorria... não sei se achava aquilo tudo engraçado..não sei se se divertia com seu poder... não sei se tinha algum senso do que estava acontecendo... não sabia o que os meninos estavam sentindo... apenas estava ali...assistindo prazerosamente o momento em que o maior poderia cumprir a promessa de quebrar a cara do irmão menor...

- Vou te quebrar a cara!!! Vou te arrancar os dentes!!! Ele repetia...

Chegou no térreo (finalmente para mim),a porta do elevador se abriu, e lá foram os dois e a babá encontrarem com a mãe, que sorria candidamente para os viznhos que passavam...

(o último dessa série de longas datas...)

...

Estava tentando estacionar quando a vi. Alta, morena, pele e osso de tão magra. No meio da rua, que era a casa dela, ela estava com as duas mãos em forma de concha no nariz, segurando um pano. E dançava...dançava sorrindo... Seus olhos estavam orbitados em um outro lugar. Eu que estava trancada em um silêncio patrocinado pelo ar condicionado do carro, pensei: nossa... como ela está hoje...totalmente tomada pela cola. Sensibilizada fiquei por aquela garota, dançando alegremente no meio da rua, sem tirar as duas mãos em forma de concha no nariz. Olhei para os lados e vi que todos a olhavam rindo de sua proeza. Não sei o motivo do riso, não sei se escárnio, não sei se compaixão, não sei...só os donos do sorriso é que poderiam dizer, mas eu não conseguia sorrir...Ela estava lá, gritando sua presença denunciadora em minha mente. Denunciando a desumanidade, denunciando o desamor, denunciando o descaso, denunciando a alegria fulgaz de uma cheirada logo ao amanhecer ou quem sabe denunciando um necessário processo de alienação de si mesma? Lembro que pensei que ela estaria ficando pior com o tempo, pois estava dançando no meio da rua, num dia chuvoso, sozinha... Foi então que passei por ela, desviando o carro e consegui estacionar, e quando saí do meu carro-aquário, precebi: um táxi estava ressoando seu som recém adquirido em uma promoção e ela dançava guiada por aquele som... pelo ritmo...percebi, com alívio, que ela não estava tão mal assim, estava apenas tentando mesmo se divertir.

(também de longas datas...)

Encontro

Cidade grande. Grandes avenidas.  Grandes prédios. Grandes calçadas. Grandes distâncias. Ela acordara como sempre: militarmente às sete. Levantou da cama sem saber nem quem era, seu corpo somente despertava quando a água gelada batia em seu corpo. Olhava no relógio: Nossa! Dormi demais! Sempre era assim... todos os dias... Se arrumava automaticamente e deixava a maquiagem para os intervalos. Pronto! Pronta! E saiu para a rua já impregnada pelo som e fumaça dos carros e pela estonteante avalanche de pessoas indo e vindo.
Ele acordara como sempre, atrasado e de ressaca. Como posso ter bebido tanto? Hoje eu páro de beber! Não adianta me ligarem, não atenderei as ligações, não aceitarei convites e me trancarei dentro de casa e pronto! Assim não bebo. Resolução tomada, foi ao chuveiro. A água gelada lhe deu um ligeiro tremor, como um choque gostoso, despertou seu corpo. Rápido se vestiu e saiu quase correndo. E então começou a caminhar. Foi quando a avistou, saindo de um prédio como se tivesse tonta pela mudança de luz e tom. Ela ainda apertava os olhos para se acostumar com a luz, ou talvez ainda quisesse fechá-los com sono. E foi então que ele viu ainda mais de perto, ela era linda, perfeita! Ele saia todas as noites  lhe buscando e ironicamente fora lhe encontrar de dia. Um dia perfeito. Enfeitiçado caminhou até a sua direção.
Ela fechando os olhos para se acostumar com a claridade repentina. Virou a cabeça e o viu. Bonito, olhando-a com uma expressão que a assustou. Não saiu correndo porque teve medo de ser chamada de histérica. Mas também não podia mais tirar os olhos dele. Se encontraram finalmente. Frente a frente. Olhos nos olhos. E... quando iam abrindo a boca para se falarem, foi então que a sirene descuidada de um carro de polícia os despertou. Eles despertaram. Ele olhou acima da cabeça dela. Ela olhou os sapatos dele. Ficaram naquela dança coincidente quando um tenta desviar do outro. Sorriram e disseram ao mesmo tempo: licença. E conseguiram: cada um seguiu seu caminho, ela estava atrasada e ele com uma baita ressaca.

* mais um escrito de mto tempo.

Anjo


Ela era a imagem de um anjo. Fabricada em uma tarde num salão. Cabelo liso para cabelos cacheados, de castanho para o loiro dourado. A boca, antes pintada só de vermelho, agora só admitia um rosa bem claro. As unhas, antes como garras sangrentas, agora eram cortadas e com esmalte quase sem cor. Ela tinha tido um sonho. Um sonho inquietante. Mas que a fez descobrir o sentido de sua vida. No sonho ela era um anjo, um anjo lindo que tinha grandes asas azuis e macias. Ela pensou: é um aviso. Um aviso dos céus, tal como o anjo Gabriel com Maria. Então eu sou um anjo. Vou ser um anjo. E partiu para sua transformação. E voltou a cumprir sua missão. Sempre que terminava seus afazeres, procurava conversar com aqueles que estavam usufruindo de sua companhia. E tal qual os anjos, perdoava-os em quaisquer de seus pecados. Eles saiam do encontro com ela renovados, ela era uma santa, venerada. Corria de boca em boca a fama da santinha. E todos queriam ter com ela. Fui testemnha de um encontro. Uma tarde, ela estava no batente de sua casa na Riachuelo quando um homem que vendia milho saudou-a:
- Boa tarde anjinho!
- Boa tarde! Ai..ai...queria tanto um milho seu...
Ele sorriu um sorriso incompleto, fruto de suas andanças pela vida e respondeu:
- Ora anjinho, é pra já!
- Não, não...eu não tenho dinheiro...

Ele então lançou um olhar de cima a baixo, não precisava ser santo como ela. Olhou-a e viu um corpo roliço, jovem e gostoso.
- Você pode me pagar de outro jeito, santinha.
Ela, percebendo o olhar lascivo, olhou para o milho com a mesma intensidade, fome é sempre fome, não importa do quê. Sua boca entreaberta, cheia de saliva e desejo, percorreu sua língua pelos lábios rosa-bebê e suspirou, dizendo:
- Tudo bem.
Ele, apressando as preliminares, preparou com esmero aquele milho da salvação de sua alma.
Ao entregar o milho pra ela, ela disse:
- Me dê um milho maior, do mesmo tamanho do que você guarda dentro das calças.
Nada mais justo, pensou ela.
Então, ele deu sua medida, a medida de um macho. E quando, ao olhar a cara dela de espanto, ganhou o dia, o mês, a vida, pois sempre tinha sido motivo de escárnio por todas as mulheres que tinham passado por seu caminho. Aquela mulher na sua frente, tal qual um anjo anunciador, afortunou sua vida.
Então, ela recebeu o maior milho que ele tinha... com os olhos de desejo, deu um sorriso que, de longe, me pareceu tão infantil, que consegui ver a criança que ainda era.

* escrito também há muitos anos em homenagem a um filme.

Preto e Branco

Ela olhava pela janela e não via nada. A dor já havia há muito turvado seus olhos, o que via sempre era como uma cortina preta. Se sentia carcomida por dentro, como se vermes invisíveis tivessem atacado de soslaio e antes que ela percebesse já haviam-na destruída. O que restava era um monte de órgãos, envolvidos por ossos e peles. Era assim que se sentia, cada movimento pesava toneladas, cada pensamento lhe custava esforços inimagináveis. Deixou de lutar há muito contra aquilo. Há muito se entregara aos vermes, há muito deixaram que eles a conduzissem e agora passava seus dias e noites na janela, diante do lençol preto da vida. De repente pensou: há quantos andares estou? Só pensou, pois não tinha forças nem para levantar as pernas e atravessar o umbral que a separava de uma provável liberdade. Uma liberdade de não existir mais. Mas já não existia também. Pensou nas pessoas que a rodeavam, tinham se tornado bonecos mecânicos, marionetes do mundo, não consguia vê-las. Ela sabia que já as amara, mas não conseguia sentir mais nada. Nada. Poderia dar aula a qualquer filósofo sobre o nada. Ela era o nada. A janela dava o sentido de sua existência. Ela vivia para a janela. A janela era seu muro onde continha sua loucura. Um muro com grades e grilhões que lanhavam sua carne. Penetravam que nem agulhas. Nem sentia nada. O sangue começava a brotar gelado escorrendo em sua pele, e se deu conta que seu sangue era preto. Não deveria ser vermelho? O que pode ainda ser vermelho nessa vida cheia de naúsea? A chuva então começa a cair, ela vem toda tarde como uma velha amiga que visita o túmulo da amiga morta. A amiga chuva a saudava. Fazia por ela o que há muito ela não conseguia mais: chorava.

- também foi escrito há muitos anos. Uma breve tentativa de descrever a depressão severa.

Finalmente livre.

Ela estava livre. Finalmente. Andava pela rua sem rumo certo e não tinha mais alguém em seu encalço. Ele finalmente a deixara, tinha se aquietado, um silêncio que começava a intrigar e incomodar. Mas ela estava livre. Finalmente. Deliciosamente livre, andava pela rua e não tinha hora para chegar em lugar algum. Depois de anos submetida ao seu jugo, ao desprezo, a dependência descarada, ele finalmente sumira. Sumira assim como tinha aparecido. Um sumiço que começava a indagar. Mas ela estava livre. Finalmente. Caminhava. Olhava para os lados e nenhum rosto conhecido, sorria e não era correspondida, mas o que importa? Ela estava livre. Muito livre. Ele finalmente desviara seu foco, não existia mais. Ela fugiu desesperada e ele a libertou sorrindo. Ela estava livre, agora presa. Presa a si própria, olhava para o lado e só via a si mesma. Mas ela estava livre. Finalmente. Deliciosamente livre. Amargamente livre. Ao se deparar com o primeiro orelhão, disfarçado de arara, não se conteve:
- Oi... posso voltar?

(escrevi isso há uns anos atrás, infelizmente não coloquei a data no papel, então me perdi no tempo... tem outros escritos que vou colocar aqui)

Deus me proteja da Unimed

Cheguei na Unimed por volta de 11:30, passando mal, vi que os recepcionistas levaram várias fichas colocando nos escaninhos dos consultórios médicos. Primeiro eu vejo uma médica Barbie com um salto 15 num scarpin azul turquesa andando de um lado para o outro, mas atendendo a todos. Fora a minha ironia de que ela jamais conseguiria correr para atender alguém numa emergência com aquele salto todo, já que mal ela conseguia andar, eu comecei a desejar que ela fosse a minha médica quando eu vi outra médica, depois de meia hora, entrar no recinto e se dirigir a uma sala em que uma ficha já estava aguardando também há meia hora. A médica tinha um andar vagaroso, largado, cansado, andar de quem está de saco cheio da vida, quando eu vi o rosto e o cabelo saganhado* saquei que aquela médica estava, ainda, dormindo. E que estava com muita raiva de ter que cumprir sua tarefa. Lei de Murphy é Lei de Murphy e eu tenho atração a ela, quem esta dita saganhada chama? Euzinha. Quase eu me arrasto até a sala, imaginei eu loucamente gritando: Ela não!!! Ela não!!!! Mas mantive a classe e adentrei em seu ambiente pseudo estéril da posse do seu saber médico que iria me examinar. E descobri que ela era a médica psicanalista ortodoxa. Explico: os psicanalistas ortodoxos não falam com seus pacientes ou só o estritamente necessário. Entrei, tive que ir fechar a porta, pois ela já tinha sentado em sua cadeira (vejam: a sala é dela), e sentei à sua frente. Nem esperei um bom dia (não estava sendo mesmo), mas cheguei a esperar um: - o que você está sentindo? O que te traz aqui p....? O que aconteceu pra me acordares???? Algo pelo menos assim. Não... Eu me sentei, olhei pra ela, ela me olhou semi-acordada e pasmem: - (levantou a sobrancelha direita e depois franziu a testa). Com isso resolvi ser a paciente ideal e comecei a falar meus sintomas, ela foi anotando, anotando, sem me olhar, de repente ela pega um daqueles pauzinhos de picolé, chega perto e tenta enfiar na minha garganta. Óbvio que não conseguiu, nenhum médico consegue isso comigo pois tenho o reflexo de vomitar (e isso desde criança) todas as vezes que tentam ver a minha garganta com aquilo. Falei pra ela que eu tinha esse reflexo, ela deu um meio sorriso e disse: - não tem problema. Hã? Então, ela sentou e anotou, me digam: se não era necessário então pra quê?? Depois veio me auscultar (uma das minhas queixas era dor no pulmão). Disse que iria levantar a minha blusa e ficou lá, auscultando em vários lugares. Voltou pra mesa e anotou, anotou. Olhou pra minha cara e finalmente falou: - olha, não deu pra ver tua garganta e nem deu pra te auscultar direito, tive dificuldades, vou te passar um raio-x do tórax, e quando estiver pronto, você traz aqui pra eu ver. E pasmem novamente: sorriu.... Fiquei chocada... Enfim, fui tirar o raio-x e o técnico foi sensacional. Super bem atendida que até cheguei a pensar: - estou com sorte.

Voltei à sala e fui até a enfermagem, expliquei que a Dra. tinha me pedido para mostrar o raio-x, o enfermeiro pediu para ficar com ele, foi o meu erro. Depois de uns 15 minutos, ela aparece de novo no recinto, do mesmo jeito, mesmo andar, mesmo olhar, o cabelo oleoso e saganhado e puxa um papel e chama outra paciente. Quando sai, passa por mim, vai ao posto de enfermagem e some. Some! 15 minutos depois, eu, no posto de enfermagem: - vocês poderiam chamar a Dra? Ela pediu pra eu mostrar pra ela o raio-x que está ali ó! Resposta: ah tá!!! – Vocês não podem colocar no escaninho dela? - Não, ela não gosta que façam isso. – Mas então ou vocês deveriam falar pra ela ou ela teria que vir perguntar né? – ééé....Sentei e esperei novamente ...e muito...quando eu vejo uma médica que não era nem a Barbie e nem a psicanalista chegando e entrando na sala da minha médica, quase que eu impeço a passagem até que ela chama a primeira paciente. Realmente a Unimed é um show: essa era a médica radialista de vestibular, era idêntica a forma que ela chamava os nomes dos pacientes, só faltou a musiquinha e os parabéns. Ela também era muito rápida, enquanto eu me recuperava do choque (onde está então a minha médica?) ela já tinha atendido 05 pessoas e foi na sala de outro médico e pegou até uma ficha de paciente dele. Aí tenho uma fofoca, o outro médico chegou logo depois e disse: - você pegou a minha ficha que estava aqui? Ela disse: - eu atendi, eles misturam tudo (ela estava dizendo que os recepcionistas tinham misturado a ficha dele na dela e então ela atendeu), quero saber se eles ganham por produção. Depois disso, ela foi à enfermagem e rolou uma discussão de quantos ela tinha atendido e ela ainda passou um tempão lá provando isso para os enfermeiros. Um show à parte até que lembrei que já bastava, eu queria ser atendida e já sabia até então que o plantão tinha trocado e que a médica psicanalista tinha dado no pé sem informar o final da sessão. Fui lá e perguntei novamente aos enfermeiros: - é... ela já foi... – poxa, eu estou esperando há um tempão, falei pra vocês chamarem por ela e agora? Quem vai me atender? – ahhhh...aguarde... está aqui seu exame...pasmem, minha ficha era a última. – Eu estou por último??? Como assim??? Eu já entreguei isso aqui há um tempão!!! – é... hehe...não...não... está aqui. Desisti, me sentei e resolvi apelar pra Deus: - É, tenho que confiar em Deus, se ele me fez esperar assim é porque devo ser bem melhor atendida agora. Vamos ter fé e paciência, aprendizado. E esperei. Tive sorte, veio o médico que foi roubado na ficha pela radialista vestibulanda. E então ele olha meu raio-x e diz: - você está com uma secreção no pulmão.

- Sim, mas o que quer dizer isso?


- Olha, pode ser da garganta ou pode ser do pulmão mesmo.

- (hã???).

- Mas eu vou te passar um antibiótico

- Vai tirar a secreção?

- Vai. Você tem pressão alta?

- Às vezes quando fico muito tensa.

- Ah tá tudo bem, porque estou pensando em fazer um dispropan injetável, pode ser?

- (quem estudou medicina aqui???) – ok, pode passar.


- é injetável, pode ser?


- hã hã

- Também estou pensando em fazer um aerossol, pode ser?

- hã hã

- Então pronto. Na terça você volta aqui para pegar o seu raio-x e procure logo um pneumologista para fazer um acompanhamento, ok?

- ok

E lá fui eu tomar injeção nas nádegas (isso mesmo, voltei à infância) e fiz 15 minutos de aerossol, dei tchauzinho quando passei no posto de enfermagem e me benzi logo depois: - Que Deus me proteja da Unimed!





(* saganhada significa despenteada no interior do Maranhão.)