domingo, outubro 21, 2007

Eu por Mim

Sou uma mulher, uma garota, uma velha. Tenho, guardada em mim, todas as idades minhas e do mundo. E com isso, às vezes me comporto como se a idade fosse algo bem abstrato.
Tenho manias. Muitas. Acho que elas tb me constituem. Tenho um pente quebrado na bolsa que não desgrudo. Gosto dele. Ainda não achei outro igual. Ele ainda me serve. Minhas amigas brigam: como posso usar um pente quebrado? Mas eu não desgrudo dele. Acho que é uma forma de apego a imperfeição. Sou muito imperfeita e me pego gostando de ser assim.
Tenho horror a barata, algumas pessoas querem transformar isso em fraqueza, mas eu digo, é uma fobia. Fobia não é fraqueza. É humanidade, e sou, ainda, humana. Se uma barata aparece, fico desnorteada e achando que o mundo não é mais seguro.
Não suporto ver agressão física. Me choca esse tipo de utilização, poder, desmando e ofensa ao corpo do outro. Apesar de saber que todo agressor foi na maioria das vezes um agredido, penso nele como um covarde e me vem a louca vontade de agredi-lo, não com atos e sim, com palavras. Quando estou com raiva, uso-as como armas. E não me vanglorio disso. É um grande defeito pois acabo magoando indo na ferida. Sou astuta para isso. Deveria ser para ficar calada.
Sinto muita angústia. Um dia, um psicólogo e filósofo conhecido, conversando comigo, me disse que angústia é criação. Meu lado vaidoso agradece. Mas é terrível sentir. Fico angustiada com a violência caracterizada por todas as suas formas explícitas e veladas na sociedade (fome, desemprego, agressão física, carência, roubo....).
Vivo também a angústia por existir e muitas vezes questionar a dimensão da minha existência. Não é qualquer paixão que me diverte e me faz sentir viva. E, muitas vezes tenho entrado em contato com o lado volátil da vida, ou com uma espécie de não-vida. Isso me confunde e perco os motivos que me fazem acordar. Mas não pensem que posso ser uma suícida em potencial. Não o sou. Eu gosto dessa irrealidade que me toma de assalto. Me faz perder a dimensão de muitas coisas que podem ser muito pequenas e estarem no tamanho errado na minha mente.
Amo ter amigas. E amigos tb. Não os escolho pelo gênero. Eles simplesmente existem. Digo que só por ter amigos, estar viva já vale a pena. Tenho amigas que são verdadeiros esteios pra mim e que, só de imaginar a ausência delas meu mundo perde o sentido. E assim, desejo, já que a finitude, a cada ano que passa toma mais forma na morte de algumas pessoas, desejo que eu morra antes delas. Para o meu egoísmo não quero sentir suas faltas. Isso não é morbidez, apesar de parecer pesado, é puro egoísmo e alegria por tê-las.
Desde criança morro de paixão por cachorros. Sempre os quis ter e nunca pude. Acabei tendo alguns de forma indireta quando meu irmão caçula conseguiu colocar cachorro em casa. Mas nenhum deles eu me envolvi da forma como estou envolvida hoje com a minha Lola. Ela é minha grande paixão. É a filha substituta que a vida ainda não me deu. E parece que está grávida. Então, logo vou ser avó!
Sofia e Valentina. O nome das minhas duas futuras filhas. Sei que é irracional, posso ter meninos, posso nem ter filhos. Mas já coloquei os nomes pois dessa forma, ao nomeá-las, estou chamado-as para a vida. Espero que elas venham.
Sinto uma alegria imensa que às vezes invade meu coração. E se nesse momento estou no meu quarto começo a cantar e a dançar. Se eu estou com pessoas, geralmente dou beliscões, risos, gargalhadas e abraços, e falo da minha alegria e como não me contenho, digo, geralmente, que estou atentada.
Gosto de sair de casa e olhar as ruas. As casas das pessoas e fico querendo entrar em todas as casas. Como não posso, olho pelas suas janelas e fico imaginando como vivem, o que elas tem, o que fez elas escolherem os quadros que estão nas paredes. Se me fosse permitido cascavilhava tudo.
Tenho a veia da arte percorrendo meu corpo. E se tivesse que escolher por uma atividade somente na minha vida escolheria qualquer forma de arte. A arte é a expressão mais primária do sentimento do artista. É a alma desnudada para os olhos e o sentir do mundo. Sou apaixonada por todas as formas de arte. E como boa generalista, acho que tudo o que o ser humano produz é arte. Arte e criatividade. Ser humano é criação e arte. Das várias formas de arte, eu escrevo e pinto. Quero fotografar também. E amo mosaico, costura, dança. Quando pinto não escuto, não como, só sinto cheiro e a sensação tátil das texturas, das temperaturas das tintas nas minhas mãos e no meu corpo. Porque, ao ver como o meu corpo se pinta, chego a conclusão que eu pinto com o corpo. Me dá o maior trabalho no banho, e às vezes fico 3 dias pintada em alguma parte do corpo. Mas vale viver isso. Nas artes sou apaixonada por Frida K., Van Gogh, Almodovar (uma espécie de Frida do cinema), Clarice L., Fernando Pessoa. Mas admiro muitos mais. Sou capaz de ficar horas na postura contemplativa. E enquanto a ansiedade do mundo diz que perco tempo, eu vivo.
Adoro conhecer pessoas. E adoro olhar nos olhos. Sinto agonia quando alguém não me olha nos olhos. E acho isso um defeito meu. Quase um desrespeito. Mas olho nos olhos. E pelos olhos conheço. Conheço não o outro e sim, a mim mesma. Os olhos dos outros pra mim são meus espelhos. E desde bebê ele se constitue assim. Me assusto e me machuco quando me olham com raiva. Mas luto para aprender a me sustentar nisso.
Sou psicóloga de profissão e digo que de escolha de vida. Quando eu tinha 16 anos, cheia de sonhos e sem contato com eles, fiz arquitetura. E estava interessada mais em outras coisas. Sempre vivi apaixonada. E a cada encontro me apaixonava mais ainda. Não me vejo como volúvel, me vejo como voraz. Me apaixonei no convênio estudando com ele. Me apaixonei em arquitetura estudando e me tornando artista com outro que não era mais o do convênio. Um outro que deixou marcas na minha vida para sempre. Talvez até porque tenha morrido e a eternidade o idealizou na minha mente. Mas sinto amor por ele até hoje. Amor e saudade dele e do seu olhar. Ele me fotografou muito. Viveu sua arte me tendo como modelo. E são as fotos em que eu mais me gosto. E todas as vezes que as vejo, descubro algo sobre mim.
Às vezes me sinto frágil, pequena, insustentável e sozinha. E sinto que não dou conta nem de mim e das minhas dores. Às vezes dou conta de mim e do outro que se senta diante de mim e para meu espanto permite uma intimidade que é inenarrável e fascinante. São meus clientes. E o amor que desenvolvo é o amor de participar do processo deles de desvelamento. Às vezes tenho a sensação nítida de gratidão. E me dou conta que consigo também suportar as dores dos outros.
Aprendi com isso também a não tomar as dores do mundo para mim. Era um sofrimento adicional. Me alegro com as alegrias dos meus clientes, amigos, familiares, pessoas que convivo, assim como me entristeço com as dores deles também. Faz parte da minha humanidade.
Quero tanto ser humana que às vezes me critico por me achar fraca. Mas onde e como paira a humanidade?
Às vezes sou toda pergunta, às vezes sou a pretensa resposta.
Na realidade tem horas que me olho no espelho e me estranho. Quem é essa estranha diante de mim que toma meu corpo e sai para a vida? Às vezes me reconheço e não só me deslumbro como entro num espiral para dentro de mim. Às vezes isso é bom, às vezes muito ruim. E nesse espiral me perco.
Às vezes minha mente funciona como este espiral e às vezes como um labirinto que vou entrando e deixando miolos de pão para não me perder. Vem meus monstros e comem os miolos e inevitavelmente me perco e não sei mais o caminho de volta. E então vôo para sair do labirinto.
Minha memória me prega peças como se eu já tivesse vivido mais de 100 anos. Um inequívoco desgaste? Já esqueci meu carro no meu trabalho e voltei de táxi para casa. E ainda achei que tinham roubado o carro da garagem do prédio. Geralmente esqueço onde eu estaciono o carro e fico no meio da rua procurando. Mas o problema não é só com o carro. Tenho a péssima mania de marcar compromissos montados uns nos outros. Marco, esqueço e marco outro em cima, e me vejo a voltas em desmarcações, xingamentos, cobranças e fico realmente mal com isso. Mas não tenho jeito. Esqueço tanto que tenho amigas que me chamam de Dori, do Procurando Nemo. Apesar de achá-la muito engraçada e também de morrer de rir dos meus esquecimentos, quando eles se tornam “lembranças”, no momento pra mim é um transtorno. E interessante, memória tem a ver com atenção, e me considero muito atenta. Por outro lado, sou capaz de, depois de dois anos de terapia, lembrar o que um cliente me falou na primeira sessão ou na terceira. Vá explicar os melindres de minha memória que mais parece um ente vivo e cheio de vontades em mim.
E comecei a me descrever e isso se tornou tão gostoso, meu lado narcisista dando voltas feliz da vida que não tenho mais vontade de parar. E fico pensando, pensando em mim.
Tudo o que eu escrevi é a minha verdade hoje. Amanhã pode ser uma grande mentira. Fiquem com isso.

2 desavergonhados:

Anônimo disse...

Genial, Lu...como te disse, sou tua fã!

Que partes eu gostei?? Gostei do conjunto da obra inteiriiinha...e o desfecho foi brilhante! Bem gestáltico mesmo...

Que pente é aquele.... kkkkkkkk...
Beijos, adorei a vinda à Fox!!
Venham mais vezes!

Luciana Castelo Branco disse...

Obrigada Lu!!!
Pois é...agora tb conheces o meu pente!!! hahahahah..
Tb adorei ter ido a Fox. Não é pq tenho contato com vcs, mas é um dos lugares que mais gosto de freqüentar...
Iremos sim!!!
Obrigada pelos seus elogios - incentivos
beijocas
Lu