Certa vez um amigo disse que acreditava que nos países mais pobres tinha uma espécie de histeria coletiva que nada mais era, para ele, as festas que ocorrem pelas cidades: sabe naqueles dias de domingo as pessoas em bares e em portas de casa dançando? Ah! Ainda disse mais, que as pessoas mais pobres eram as mais felizes pois elas não entravam em contato com a realidade, a pseudofelicidade aumentava proporcionalmente com as dificuldades e o sofrimento que ele imaginava que elas sentem. Ele fez uma espécie de diagnóstico social relacionado a situação sócio-econômica das pessoas. Lembro que mentalmente eu neguei aquela informação, refutei, achei um absurdo e um quê preconceituoso...ou simplesmente não entendi o que ele quis me dizer.
Aquilo nunca saiu da minha cabeça, e manchou a autenticidade da alegria das pessoas, principalmente aquelas que eu vejo nas periferias dançando no final de um domingo. Falo sempre no domingo porque sempre pensei que essas pessoas aproveitavam até o finalzinho de seus finais de semana, já que domingo pra mim, principalmente a noite, precisa de um desfribilador de agonizante que é.
Mas ao mesmo tempo sempre que penso nisso vem a raiva. Ou melhor, nem sei se é raiva ou é indignação. Fico realmente indignada e preocupada ao perceber o rumo que as pessoas estão tomando hoje ao analisar o mundo ou elas mesmas. Tudo está sendo diagnosticado. Tudo está sendo explicado e minuciosamente devassado. E ao entrar na teorização das experiências, o indivíduo perde de vivê-las e somente vivê-las e ponto.
Então a alegria deles é sinônimo de fuga de uma realidade massacrante? Ué! E não pode ser uma alegria genuína num domingo a tardinha em que não se entra em contato com o dia a dia mesmo, o dia de folga? Não pode na segunda, este mesmo ser dançante e rodopiante, voltar a sua rotina e dar conta de sua vida inclusive entrando em contato com ela? Tá. Tudo bem. E se a rotina for muito ruim, se a vida da pessoa for quase insustentável, que mal que faz se ela consegue uma boa forma de se defender de sua realidade? Faz. Faz mal. Faz bem também. Eu que não vou julgar. Faz mal pois a pessoa ao não entrar em contato com a sua realidade não terá a oportunidade de mudá-la já que ela não irá existir. Faz bem, pois se a pessoa não consegue ver a luz no fim desse túnel então ela torna a vida dela um pouco mais fácil.
Uma outra coisa que me chama a atenção, outro dia um outro amigo que tinha passado por uma situação de perda significativa me disse que estava preocupado e que achava que estava deprimindo pois estava muito triste... e só tinha uns 15 dias que o fato tinha ocorrido. Calma... disse à ele... quanto tempo faz? 15 dias... eu respondi: - e você está estranhando sua tristeza ao ponto de já diagnosticar como depressão? Seja paciente, você está triste, é muito natural ficar mal numa situação dessas. Acolha a sua tristeza...e etc.. Enfim, eu percebo que as pessoas já não conseguem conviver com alguns sentimentos que são da vida.
A vida não é uma maravilha prozaquiana. Ela é linda, gostosa, mas em alguns momentos também é feia, insípida ou amarga. Viver pode ser contra indicado pra quem tem medo de sofrer. E com isso as pessoas fazem de tudo, até mesmo se "patologizarem" para escapar do sofrimento. Não se iludam, só tem medo de sofrer quem já sofreu ou quem está sofrendo, pois quem nunca sofreu (será que existe?) não irá saber o que é. E a gente não tem medo do que não existe.
Viver vai trazer alegria e também tristeza, vai trazer dor e também alívio, vai trazer aventura e também tédio, vai trazer dúvidas e também sensações de certezas, vai trazer paz e também vai trazer muita inquietação, vai trazer crescimento e também vai trazer estagnação, vai trazer amor e também vai trazer indiferença, vai trazer tranquilidade e também vai trazer angústia, vai trazer perdas e também encontros....
Existe um movimento cultural muito grande de tentativa de não entrar em contato com o que nos faz sofrer, de não permissão e acolhimento ao próprio sofrimento e do outro, e com isso aumenta o consumo de medicações como antidepressivos e ansiolíticos, aumenta a solidão, aumenta a anestesia coletiva perante o lado sombra do mundo e aumenta em muito o próprio abandono.
Calma... não precisa correr, fugir, se diagnosticar, tem momentos em que nós vamos sofrer... e tem momentos em que vamos ser felizes... isso não é sinônimo de depressão e nem de mania (transtorno bipolar)...serão simplesmente momentos da e na vida.
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