terça-feira, agosto 03, 2010

Doll Face: narciso ou a cópia?




Estava eu me divertindo com o twitter quando me deparo com a seguinte pergunta da Márcia Tiburi: "Doll Face de Andy Huang (http://bit.ly/1jct) Nova versão do mito de Narciso?" , indicando o vídeo acima como o norteador da pergunta dela. Me coçou, gosto muito do mito do narciso, fala de paixão. A paixão nos ilude, afinal "Narciso morre na ilusão de ter encontrado a completude" (http://www.palavraescuta.com.br/textos/o-mito-de-narciso). Paixão não completa, paixão cria urgência e sempre mais urgência...


Mas ao olhar o vídeo, eu não vi nada de narciso, até tentei, mas não vi. Quer dizer, posso até tentar ver algo que possa lembrar no final, imaginando Narciso se afogando no lago, mas... foi forçado.


Acho interessante a idéia dela, mas vejo o contrário, Narciso se apaixona pela própria imagem, pela imagem que já existe e que ele ainda não tinha visto e quiçá nem soubesse ser dele. Ela, a boneca, não se vê refletida na televisão, ela vê uma imagem de uma mulher, que parece que achou interessante, e então, tenta ficar igual. Mal conseguiu ficar igual a primeira imagem, aparece uma outra imagem que requer ainda mais trabalho, mas mesmo assim, com afinco, e até trocando de olho, e ao mesmo tempo até criando um novo e copiado olhar, ela consegue ficar igual o que vê. Narciso não precisou mudar, Narciso se viu e estava pronto...ali...perfeito... e se enamorou, se apaixonou perdidamente pela própria imagem.


Essa boneca não se apaixonou, o olhar dela era mais obsessivo do que apaixonado (se bem que a diferença é tênue), ela tentou (obsessivamente) ficar igual, ela teve que se moldar, mudar sua aparência para chegar no que considerou o ideal e na busca desse ideal que foi ficando cada vez mais distante, ela se destruiu. O mais significativo foi ver, ao final, a maquiagem borrada dando a impressão de uma lágrima.


Não me remeteu ao narciso, me remeteu sim aos sacrifícios e a perda de identidade ao tentar copiar um padrão que talvez se torne inatingível e destrutivo. Prefiro pensar como Perls: "Nenhuma águia quer ser elefante e nenhum elefante quer ser águia. Eles se "aceitam", aceitam seu "ser". Não, eles nem mesmo se aceitam, pois isto significaria uma possível rejeição. Eles se assumem por princípio. Não, não se assumem por princípio, pois isto implicaria numa possibilidade de ser diferente. Eles apenas são. Eles são o que são."


O céu e o inferno do ser humano foi ter desenvolvido a consciência de si mesmo e a consciência do outro como um possível espelho crítico de sua imagem. Nós não temos lago que reflete a nua e crua verdade do que somos, nós temos o olhar do outro, que nos diz, as vezes amorosamente, as vezes cruelmente quem a gente é. E se perdidos estamos de nós, vamos atrás desses olhares que não cessam, até a destruição. Isso é tão louco, precisa ser medido, pois também nos constituímos humanos sob(ao) olhar de outro humano, como diria uma professora minha: uma mulher se constitui mulher sob(ao) olhar de um homem. E vice-versa e sob todos as variações possíveis.


Porém, quando nos falta o nosso próprio olhar, acabamos por colocar, tal qual a boneca, os olhos dos outros nos nossos e passamos a nos olhar tal qual. Acho que o segredo está em desenvolvermos o nosso próprio olhar e só então, deixar o olhar do outro nos dizer algo. Não sei. Eu acho.

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