terça-feira, março 13, 2007

O DIABO VESTE PRADA
Não sei quem está sendo mais ofendido, se o diabo ou a marca Prada ao serem comparados com Miranda Priestly, a suposta editora de uma suposta revista de moda, de uma não, da maior revista de moda do mundo. O livro é gracioso, dá pra se divertir com o humor sarcástico da personagem principal a coitada-louca-subserviente-aspirante-a-escritora Andréa Sachs. Miranda consegue ser muito pior do que a própria mitologia religiosa fala do Diabo e seu inferno, não sei se preferiria lidar com ela do que lidar com ele .

Em alguns momentos, mesmo tendo uma consciência de seus movimentos psíquicos e de sua pretensão para a carreira, cheguei a ficar com raiva de Andréa pela sua subserviência em troca de uma suposta promoção que, como a única alternativa de alcançá-la, era servir de babá de luxo de uma pessoa que não tinha competência para pegar um copo d´água para matar a sua sede.
Uma pessoa cega e deslumbrada com a vaidade e a ganância do mundo, cercada de pessoas subservientes que realmente acreditam que existem pessoas que são mais importantes que outras pessoas, pessoas que merecem reverência por onde passam e pasmem, não por serem sedutoras ou agradáveis e sim, por estabelecerem relações passivo-agressivas como qualquer agressor moral.

Miranda é um exemplo de uma pessoa que através de uma atitude passivo-agressiva minava a capacidade de existir de qualquer ser humano que convivesse com ela por onde ela passasse. E as pessoas não percebiam ou precisavam tanto do suposto glamour que envolvia, que se permitiam a isso ou se viam enredadas nesse sistema de relações.

O livro é um retrato da experiência que a autora teve em seu primeiro emprego para a editora da revista Vogue. Fiquei pasma, será que realmente ela passou por tudo isso? O que faz uma pessoa se submeter a tanta humilhação? O que a faz se tornar um ser que não existia mais diante de uma pessoa que não existia para ela também, mas que a sua mera existência era pautada em humilhação, dor (e dor física tb) e nulidade?

Assédio Moral, um conceito que está muito em voga nos dias de hoje, visto e revisto na psicologia, novo ainda em tribunais porém muito antigo na história da humanidade. Segundo Hirigoyen, 2000, “POR ASSÉDIO EM UM LOCAL DE TRABALHO TEMOS QUE entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradas o ambiente de trabalho". Quem nunca teve contato com uma pessoa que sorrindo e com o que parece as melhores das intenções consegue deixar a outra pensando que é o côco-da-pulga-do-cachorro-que-foi-esmagado-pelo-cavalo-do-bandido? E, apesar de atualmente está muito voltado para as relações de trabalho o assédio moral pode se dar em qualquer relação e não somente na profissional. Pode se dar entre pais e filhos, casais, amigos e qualquer tipo de relação. No assédio moral existem dois lados: o agressor e a vítima. Não pensemos que a vítima é uma pessoa fraca e influenciável. A vítima se torna vítima muitas vezes por seu perfeccionismo. Geralmente são pessoas comprometidas com suas vidas, com seus trabalhos e que perfeccionistas. É o traço mais marcante da vítima. Porém podemos pensar que, se alguém quer ser tão perfeito é porque em algum nível entrou em contato com a possibilidade de alguma imperfeição e precisa do simbolismo da perfeição, mesmo que seja em uma mera tarefa para aplacar a percepção do imperfeito, mas isso já é uma outra estória.

Já o agressor carece de auto-estima, são geralmente pessoas que precisam submeter outras pessoas ao seu poder e ao seu julgo para poderem se sentir poderosas. E esse alimento não pode parar, pois sem o outro subjugado ela não teria condições de se sentir superior e poderosa. Isto sem citar que essas pessoas não são dotadas da capacidade de empatia, que é o colocar-se no lugar do outro, são perversas, apresentam traços de sadismo, manipuladores, possuem uma fria racionalidade dentre outros traços de comportamento.
O Diabo veste Prada, certamente não ganhará nenhum prêmio de literatura, mas é um aprendizado. Um aprendizado de como um mundo que eu nem imaginava que existisse, existe. E o pior, é valorizado por muitas outras pessoas que não fazem parte dele, como a garota que escreveu a carta pedindo o vestido. Tudo está no imaginário das pessoas e imaginando, as pessoas constroem castelos na vida dos outros onde só existem cabanas de lixo e podridão escondido atrás de fachadas de glamour.

O livro ensina os toques sutis do comportamento atrás do assédio moral e como pessoas consideradas boas como Andréa se submetem à ele e em algum nível correm o risco de se tornarem num momento futuro também agressores em potencial.

Recomendo para todos que queiram refletir as quantas anda a sua maneira de exercer o poder e de se submeter ao poder, já que nossa sociedade ainda é constituída por esse modelo social: dominador/dominado. E recomendo principalmente como exemplo para psicólogos, advogados e outros profissionais que exercem algum tipo de função que lhes dão (um suposto) poder.
Vale a pena.
Luciana Castelo Branco
Em, 11.03.2007

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