quarta-feira, agosto 30, 2006

CHUVA DE CLARICE

ANTES ERA PERFEITO
Ter nascido me estragou a saúde.

O IMPULSO
Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. Há um perigo: se reflito demais, deixo de agir. E muitas vezes prova-se prova-se depois que eu deveria ter agido. Estou num impasse. Quero melhorar e não sei como. Sob o impacto de um impulso, já fiz bem a algumas pessoas. E, às vezes, ter sido impulsiva me machuca muito. E mais: nem sempre meus impulsos são de boa origem. Vêm, por exemplo, da cólera. Essa cólera às vezes deveria ser desprezada; outras, como me disse uma amiga a meu respeito, são cólera sagrada. Às vezes minha bondade é fraqueza, às vezes ela é benéica a alguém ou a mim mesma. Às vezes restringir o impulso me anula e me deprime; às vezes restringi-lo dá-me uma sensação de força interna.
Que farei então? Deverei continuar a acertar e errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.


(FRAGMENTOS DE) BRAIN STORM
A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente.

A criatividade é desencadeada por um germe e eu não tenho hoje esse germe mas tenho incipiente a loucura que em si mesma é criação válida.

Nada mais tenho a ver com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida.

Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal.

Mas se não compreendo o que escrevo a culpa não é minha. Tenho que falar pois falar salva.

As palavras já ditas me amordaçaram a boca.

Se desse a loucura de franqueza, que diriam as pessoas às outras?

A pior cegueira é a os que não sabem que estão cegos. Abro bem os olhos, e não adianta: apenas vejo.

e não viver com música é trair a condição que é cercada de música.

Só posso escrever se estiver livre, e livre de censura, senão sucumbo.

Tudo o que nunca se fez, far-se-á um dia?

O futuro da tecnologia ameaça destruir tudo o que é humano no homem, mas a tecnologia não atinge a loucura: e nela então o humano do homem se refugia.

Entender o difícil não é vantagem, mas amar o que é fácil de amar é uma grande subida na escala humana.

Não há lógica, se se for pensar um pouco, na ilogicidade perfeitamente equilibrada da natureza. Da natureza humana também.



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